Quem quer se casar com uma mulher negra?

Ninguém consegue se esquecer de seu primeiro amor, o primeiro frio na barriga ao mesmo tempo uma quentura no estomago, uma sensação de constante alegria, novas reações inexplicáveis ou totalmente explicáveis. Você começa a escutar umas musicas bregas de olhos fechados que traduzem perfeitamente seu novo estado de espirito.  Meu primeiro amor foi um menino loiro de olhos azuis da 7° serie, eu pagava a maior paixonite pelo o loirinho (esse foi o apelido que dei pra ele). Claro que quando ele descobriu meu amor de primário, agiu como os “Deuses loiros dos olhos azuis” tirou maior barato da minha cara de 4° serie. Na época eu tinha uma vizinha racista, que sempre ria quando eu dizia que queria casar com um menino loiro. Influenciada pelo eurocentrismo, a beleza dos loiros para mim era o ápice máximo de beleza na Terra.

Em minha adolescência meu gosto mudou do leite para o café, minha atração por homens loiros de olhos claros ficou no passado, passei somente a sentir atração por homens negros. Mas o que seria uma salvação para minha solteirice anunciada, transformou-se em danos psicológicos no decorrer do percurso.

Depois de um tempo percebi que os irmãos de pele escura se sentiam atraídos por mim, porem, não se sentiam “confortáveis” para assumir uma relação. 
Não, eu não queria juras de amor em um sofá sujo na sala de estar em um dia de domingo. Somente esperava o respeito necessário. Os caras sempre ficavam comigo às escondidas e logo notei que era regra, esse tipo de “pegação” com as meninas negras de minha geração, esses mesmos meninos somente assumiam relacionamentos com as “Deusas loiras de olhos azuis”. 
Nos anos noventa eu desconhecia o termo "solidão da mulher negra" e mesmo depois de alguns anos, tendo em conta que namorei serio com homens de minha cor, eu ainda compartilhava desta solidão. O preterimento da mulher negra pelo homem negro e branco era cada vez mais visível e sua solidão afetiva continuava a ser um problema somente dela.

Hoje em conversas com as amigas pretas, lembramos e rimos muito dessa ridícula situação, as desculpas dos caras pretos para não serem vistos com a gente eram degradantes e ao mesmo tempo hilárias: “Prefiro que esse nosso lance fique somente entre a gente” ou a melhor de todas “Vai na frente que te encontro lá depois”. "Me passa seu telefone que te ligo outra hora". Nossa falta de afetividade vinha de um longo período histórico e começava a criar raízes intensas.


O processo de escravização brasileira foi cruel em vários sentidos e até hoje os retrocessos da escravidão é notado na população afro brasileira. Um desses legados são as relações de afeto entre mulheres e homens negros, relações que foram rompidas no começo da diáspora africana. Com a separação dos mesmos no inicio de nossa colonização, aos olhos dos opressores, famílias negras eram constituídas somente para a continuação da escravidão. A mulher negra era constantemente vista pelo homem negro, sendo humilhada, violentada e sua estética era desconfigurada sobre a ótica do colonizador e da colonizadora. 

Com o fim do período escravocrata a nova moda era a “Redenção de Cam” era preciso embranquecer uma população que ainda era preta demais para um país com inveja da Europa. Assim a miscigenação seria a salvação para um futuro país branco. Passamos a ser o país da "democracia racial".




Quando iniciei minha transição capilar comecei a entender o meu processo de auto aceitação, aos poucos consegui me libertar não somente da química capilar, mas também da violência psicológica e o medo da solidão. Ficou mais fácil não errar em minhas escolhas amorosas e sexuais.




Quando conheci meu atual companheiro estava totalmente fechada para o amor afrocentrado (até porque os príncipes negros não estavam nos livros de contos de fada). Estava esgotada de tanta conversa fiada e não aceitava mais me enquadrar para agradar. Mas logo de um namoro intenso e juras de amor ao som de Tim Maia, pulamos para um noivado com direito a entrelaçamentos de taças e tudo, lembro como se fosse hoje toda nossa família presente eu parecia uma Rainha africana e meu futuro marido chega vestido com uma camiseta de escola de samba (barroca zona Sul). Foi um dia muito importante para nossas famílias que durante muito tempo não presenciava um pedido de casamento. Mas a vida nem sempre é como planejamos e no  decorrer do processo de noivado eu fiquei grávida. Nasce nosso filho.


Durante 10 anos moramos juntos e os planos para um casamento oficializado ficou cada vez mais distante. Era preciso criar nosso filho, era preciso cursar a faculdade, era preciso arrumar emprego, era preciso conservar nosso amor, era preciso lutar contra o racismo, era preciso lutar contra o racismo, era preciso lutar contra o racismo, era preciso ensinar nosso filho lutar contra o racismo... era preciso sobreviver.
Mas uma pergunta mudou toda nossa realidade. Nosso filho constantemente perguntava o porquê não éramos casados de verdade. E assim depois de 10 anos de união estável,  decidimos que era a hora de oficializar nosso amor.




Durante esses 10 anos de união, nunca usamos anel de comprometimento, para nós não era necessário seguir essa formalidade. Depois de casada não sei descrever o que aconteceu, mas a sociedade começou a me olhar de outra forma, não que o racismo parou de me incomodar, mas para essa sociedade que não está acostumada a ver uma mulher negra casada, é meio estranho e confuso. A solidão e a autoflagelação são muito mais aceitáveis para  uma sociedade racista que se naturalizou a ver mulheres negras mães solteiras. Nem mesmo para o homem negro essa estatística das mães solteiras é analisada, mesmo ele em muitos casos com exemplos dentro de seu próprio lar. 
E assim percebemos que nosso casamento também era um ato politico. 

Hoje conversando com irmãs que também decidiram oficializar suas uniões com homens negros, percebo que elas também passam por situações de espanto social. Primeiro é difícil ver com mais naturalidade no Brasil um casal afrocentrado e segundo é “impossível” esse mesmo casal oficializar essa união no civil e no religioso. 



 Esse tipo de debate sobre a solidão da mulher negra ainda é espinhoso para o homem negro, pois para os mesmos, o comum é o amor não ter cor... 
Mas afinal quem quer se casar com uma mulher negra? 

Obs: Esse texto foi inspirado na publicação da blogueira Caroline Amanda, obrigada Paula Rodrigues pela marcação.


Comentários

  1. O amor "não tem cor", mas tem comportamento a partir da pessoa que você se envolve. Somos lidas e julgadas, isso vai além do nosso controle.

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