"Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?"




Confesso que depois do meu ultimo artigo “Quem que se casar com uma mulher negra” a força de  minha escrita foi atingida por algo semelhante a uma kryptonita.  Além de conter relatos pessoais, cada linha do artigo se encontra presente na vida de muitas mulheres negras brasileiras, solitárias não somente afetivamente, mas solitárias na luta diária contra o racismo.
Não pense que para nós e fácil falar sobre o racismo.
Não pense que para nós e fácil lutar contra o mesmo.
A bateria tem que ser constantemente recarregada.
É muito difícil conviver com ele todos os dias.
É muito difícil ter a certeza que essa situação está longe de ter um fim e que a nossa luta tem que ser constante e com maior intensidade. 
È difícil admitir, mas o Brasil está doente.
O Brasileiro se encontra rodeado de ódio e a mídia como sempre escolhe quem deve ganhar a capa do herói e as algemas do bandido.
Racistas com a legitimidade de discursos em seu favor se rastejam para fora do esgoto e desmistificam o mito da democracia racial.
O golpe em sua perfeita execução encontrou aliados fortes que estão no poder ha muito tempo, o genocídio, o feminicidio, a homofobia e o racismo auxiliam o golpe na “luta contra a corrupção” e a manutenção de seu poder branco.
Estamos a um passo da intervenção militar concreta, não somente no Rio, mas no país inteiro.
No mês do dia internacional das mulheres lembrei-me de muitas mortes esquecidas. No dia 08 de Março, não sei se por conta da TPM ou de minha lucidez, não tive vontade de parabenizar nenhuma mulher. E hoje chorei um choro que desde ontem estava evitando, como se no labirinto da morte eu perdia novamente alguém que nunca conhecerei. Queria chorar sozinha, quietinha, mas sabia que assim como eu, outras mulheres choravam também. Conseguia sentir essa irmandade de dor coletiva.
A dor que senti por essa execução foi à mesma por aquela outra mulher que foi brutalmente arrastada no porta-malas de uma viatura. Sua # SomostodosCláudia já foi esquecida e os culpados por sua morte estão livres. Hoje ironicamente se completam 3 anos de mais uma vida interrompida, Claudia Silva Ferreira foi brutalmente arrastada por 250 metros ralando seu corpo negro no chão.




Como chorei por essas duas mulheres, sofri por ser mulher e sofri duplamente por ser mulher negra.
Confesso novamente estou afastada das redes sociais para um alivio de minha alma cansada, hoje lendo alguns comentários sobre a Execução de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro, entendi o motivo de acessar cada vez menos as redes.
Muitas pessoas na comoção nacional de sua morte não conseguem associar o fato dela ser mulher, moradora de favela e o mais importante uma mulher negra com voz. Li muitas asneiras sustentadas por uma boa pontuação, um português impecável e uma alma vazia e controlada por um pato. Em um dos comentários o cara destilou seus anos de filosofia de rede social para dizer que sua cor não tinha nada a ver com sua execução, logo a baixo, uma mulher branca escreveu que mulheres brancas também morrem. Outro no calor da emoção parabenizava a intervenção militar nas favelas.


Por que seria plausível para essas pessoas negarem a cor da executada?
Muito simples, a morte de Marielle tomando proporções negativas não somente no país, mas também no exterior, passa a ser um símbolo contra a violência no Rio de Janeiro. 
Para os somostodoshumanos de plantão, sua execução não pode ser associada a cor de sua pele, pois a final #nãosomosracistas ecoa nos bueiros da cidade, para eles não existe esse lance de genocídio da população negra no Brasil, isso é conversa de quem defende direitos humanos. Admitir a cor negra da vereadora seria ir contra tudo que é pregado nas redes sociais ou nos botecos ao lado das universidades. Para alguns admitir sua cor seria admitir o genocídio de homens, mulheres e crianças pretas no Brasil ou admitir o próprio privilegio social que vem de berço, que vem da pele que vem da escravidão.  


Já para outros incomodados com a cobertura da mídia, é inadmissível que uma mulher negra,  mesmo que morta, tenha tamanha repercussão, pois afinal morrem pessoas todos os dias de todas as cores
Porque a morte de uma mulher negra, não vende jornal e na realidade ninguém quer saber do povo favelado flagelado por balas perdidas.




Para eles a luta tem que ser contra a violência, mas a violência que sofre o "cidadão de bem" pagador de impostos que mora no asfalto. Não a luta contra a violência policial que os protegem de meninos malvados, não contra o racismo ou do genocídio de negros e negras.

O símbolo nacional que se tornou a vereadora Marielle Franco não pode ser a associada à luta racial. Não faz sentido alguém que é contra cotas, a favor da intervenção militar nos morros, a favor do armamento do “homem de bem” admitir que sim, sua cor e sua militância contra a violência policial levou à sua execução.
O que eles fingem total demência é que ainda somos caçados como animais e os nossos continuam a morrer na Esquerda, na Direita e no Centro. 
Vidas negras não importam para "colarinhos brancos que dão o golpe no Estado".
Mão de obra negra barata sim, essa é bem vinda.

Precisamos ter voz e maior representação nas eleições e urnas, nosso empoderamento não deve ser somente estético, nosso ativismo não deve ser somente nas redes sociais. Se mais da metade da população brasileira (54%) se autodeclaram negros ou "pardos" segundo o IBGE, essa conta não bate com nossa representação nos cargos políticos e judiciário do país. A maioria da população brasileira ainda é minoria nas eleições. Agora mais do que nunca precisamos de mulheres e homens negros em cargos políticos. O legado de Marielle não deve morrer com ela. 
A vereadora Marielle, mulher negra executada brutalmente, hoje passa a ser o maior simbolo politico, racial, Lgbtq e social do ano de 2018. Ela era Tudo que eles odeiam, tudo que eles condenam, tudo que eles querem matar. 
Marielle Franco ainda continua...Presente.






Comentários

  1. Excelente Texto!
    Consegui em tão pouco tempo, ver através de algumas postagens e comentários sobre o ocorrido, o que a pessoas pensam e tentam agir de forma diferente, se contradizendo com suas próprias palavras !!! Parabéns Paula pela sua explanação ... Muitas coisas nos cercam, e enxergar passa a ser primordial, não apenas " ver " .

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  2. Parabéns por conseguir escrever e expressar o que realmente acontece, senti a mesma dor e ando muito preocupada com o Brasil que tanto amo!

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