A MÃE PRETA DAS CRIANÇAS BRANCAS
Mamãe mulher forte, nordestina, com histórias que dariam um bom livro. Um livro com alegria e muitas tristezas, veio grávida de mim para
São Paulo. Imaginem sua história.
Nordestina, negra, grávida abandonada à sorte do destino. Saiu de sua cidade
carregando a vergonha em sua barriga. Deixou sua família, seus amigos, com
vergonha de uma gravidez indesejável por um homem que não assumiu suas responsabilidades. Quando eu nasci com
um mês de vida minha mãe teve que ir trabalhar, pois morávamos de favor na casa de
uma amiga. Eu nem tive tempo de sentir o seu leite materno. Imagino suas tetas
petrificadas junto com seu coração. Sensação de abandono, pois ela dormia no
emprego e eu ficava com uma cuidadora. Porem, não tinha outro jeito, se viu com uma filha sem pai que somente podia
contar com uma pessoa. Ela. Logo nesse
emprego, fomos salvas por dois anjos. Que logo viriam a ser meus padrinhos.
Muito cedo em Nazaré da Mata (Pernambuco) minha mãe foi
trabalhar em "casa de família", assim como minha avó e assim como minha bisavó.
Uma geração de mulheres semi-analfabetas que além de sofrerem abusos domésticos,
sofriam abusos físicos em seus lares.
Aqui em São Paulo minha mãe se casou e desse casamento
nasceram meus dois irmãos. Com a ausência financeira de meu padrasto ela teve
que arrumar um emprego para dormi. Passei a ser a mãe dos meus irmãos, pois minha
mãe nunca estava em casa. Eram natais, réveillons,
aniversários. Ela nunca estava lá. Trabalhava muito para nós dar o melhor. Mas
isso teve um preço, eu comecei a ter baixo rendimento escolar e logo veio o primeiro amor. Ah, o
primeiro amor, a gente nunca esquece, e se você é uma menina negra que tem baixa
autoestima, isso pode fazer a diferença para toda uma vida. Mas hoje não quero falar do meu primeiro amor, que Deus o
tenha bem longe de mim, estou aqui para contar a história de minha mãe. Eu
nunca imaginava o quanto ela era infeliz longe dos seus filhos. Passou a vida
cuidando dos filhos dos outros. Lembrei muito de sua história no filme The Help
(Título original) que no Brasil veio com o título de “Histórias Cruzadas”. O filme
conta a história das empregadas negras “domesticadas” que deixam suas famílias
para cuidar da casa da elite branca. Em meio a luta pelos direitos civis americano, essas mulheres nunca tiveram voz e direitos trabalhistas.
Minha mãe passou a vida limpando a bosta dos outros, não tinha tempo para ela, não tinha tempo para o amor e sempre se colocava em segundo plano. Ela sempre foi extremamente contra eu ir trabalhar como empregada domestica. Muito tempo depois me contou que não queria que eu sofresse as humilhações que ela sofria. E que eu não iria limpar privada dos outros. Eu não fazia ideia do quanto ela sofreu. Seu único desejo era que seus filhos estudassem, lembro até hoje a primeira vez que eu li o nome do itinerário do ônibus para ela. Sua voz ficou tremula e seus olhos brilharam de emoção. Agora não sentiria mais vergonha de perguntar para um estranho, pois sempre usava a desculpa que tinha esquecido seus óculos em casa. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo em “casa de família”. Era apenas uma criança, minha avó teve que tira-la da escola para cuidar de seus irmãos mais novos. Pois meu avô fugiu de casa a deixando com seis filhos pequenos para sustentar e assim mais uma analfabeta na família. Quando fui fazer a primeira faculdade ela enchia os pulmões de orgulho é falava para as amigas "Paulinha esta na faculdade". Tudo que ela queria era que eu não limpasse a bosta dos outros. Assim que eu adquirir uma consciência política entendi melhor a minha mãe. Minha mãe infelizmente se embranqueceu (autonegação). Ela não gostou nada quando eu parei de alisar os cabelos e odiava o novo colorido do meu guarda roupa. Eu estava me descobrindo como mulher negra e não tive o apoio de minha mãe nessa nova fase. Ao mesmo tempo foi doloroso e solitário mas deliciosamente libertário. Mas não somente isso me incomodava nela, essa negação tinha justificativas, ela foi ensinada a não se aceitar, o que mais me irritava era quando ela votava nos candidatos de seus patrões.Você acaba querendo se vestir igual a eles, falar como eles e votar nos candidatos deles, mas você nunca será um deles. Antigamente muitos empregados eram induzidos a esse tipo de voto. E com ela não era diferente. Mal sabia minha mãe que esses candidatos não fariam nada pela classe das domesticas. E somente iriam privilegiar o dono da “casa grande”.
Seus patrões sempre elogiavam a minha inteligência e eu agradecia
com uma ponta de vaidade. Mas depois entendi que, o que eles se espantavam, era
como a menina negra filha da empregada que não queria entrar na “casa grande” infelizmente eles não podiam aplicar a Lei do Ventre Livre.
Mamãe dormia em quartinhos apertados, muitas vezes sem
janela, somente com a cama e um guarda roupa, tipo uma versão moderna da
senzala. Seu uniforme era impecável, sempre teve boas recomendações. Não
ganhava mal, entretanto, tudo na vida ficou muito caro. Principalmente o não
acompanhamento da infância dos seus filhos. Não estava quando meu irmão começou
a andar, não estava quando eu perdi a virgindade, não estava quando o mundo do
lado de fora se transformava em cores e valores. Ela precisava cozinhar, limpar
e cuidar de filhos que não eram seus. Nas suas folgas eu podia ter a minha mãe de volta, mas ela estava sempre cansada e com seus pezinhos inchados de tanto ficar de pé.
Hoje me graduando em
História, vejo como essa forma de tratamento ainda lembra as "escravas da ama
de leite".
Uma vez minha mãe chegou chorando, disse que a filha da patroa tinha gritado muito com ela. Esse tipo de tratamento dado às empregadas domestica remete a tratamento que era dado às escravas. Eu a instruir a processá-los, mas na cabeça de minha mãe eles eram também como de sua "família" e ela morria de medo de perder o emprego. Outra patroa disse que se ela perdesse o emprego nunca mais trabalharia para mais ninguém, que ia morrer de fome, pois ela possuía contatos e iria “queimar suas referencias”. Provavelmente na falta da chibata usou sua língua para aplicar o castigo. Essas mulheres sofrem caladas com um chicote invisível, com marcas que somente elas podem enxergar. Ela tinha muito amor por aquela família e sabia o seu “lugar”. Mesmo sendo considerada da “família” minha mãe aprendeu do jeito mais difícil, na dor. Quando descobriu que a família a quem dedicou 10 anos de sua vida não pagava direito seu INSS. Clamava a Deus porque tamanha injustiça, mas a justiça do homem branco (rico) não é a mesma para o negro. Ela somente queria se aposentar e limpar a sua própria privada.
Uma vez minha mãe chegou chorando, disse que a filha da patroa tinha gritado muito com ela. Esse tipo de tratamento dado às empregadas domestica remete a tratamento que era dado às escravas. Eu a instruir a processá-los, mas na cabeça de minha mãe eles eram também como de sua "família" e ela morria de medo de perder o emprego. Outra patroa disse que se ela perdesse o emprego nunca mais trabalharia para mais ninguém, que ia morrer de fome, pois ela possuía contatos e iria “queimar suas referencias”. Provavelmente na falta da chibata usou sua língua para aplicar o castigo. Essas mulheres sofrem caladas com um chicote invisível, com marcas que somente elas podem enxergar. Ela tinha muito amor por aquela família e sabia o seu “lugar”. Mesmo sendo considerada da “família” minha mãe aprendeu do jeito mais difícil, na dor. Quando descobriu que a família a quem dedicou 10 anos de sua vida não pagava direito seu INSS. Clamava a Deus porque tamanha injustiça, mas a justiça do homem branco (rico) não é a mesma para o negro. Ela somente queria se aposentar e limpar a sua própria privada.
Porem, hoje ela tem
outra consciência, seu voto é melhor e até gosta do meu Black Power. Ainda
acredita na democracia racial. Mas descobriu que existe uma coisa incrível no
mundo, um bom advogado sedento por uma boa ação trabalhista. Quanta humilhação
minha mãe sofreu calada em todas essas casas que trabalhou, tinha medo da nossa reação ao relatar os abusos
que sofria de seus patrões. Tinha medo que seus filhos morressem de fome. Ela lutou muito para eu não ter o mesmo destino que
ela. Sempre me dizia como era difícil sua vida e eu muito pequena nunca
entendia, pois mesmo trabalhando muito, sempre tinha um sorriso cansado para
seus filhos. E mesmo distante sempre
mandava muito amor. Assim como eu minha mãe mudou. Ela ainda acha que não existe
discriminação racial e ainda acha que eu sou morena rsrsrsrsrs. Mas me ensinou que limpar privada dos outros será por opção
não por obrigação. Lembro de uma frase que sempre me ajudou nos momentos difíceis "Paula quando alguém te humilhar, levanta a cabeça e começa a rebolar". Se hoje sou o que sou e tenho o que tenho devo tudo a ela, que
por muito tempo
não foi só minha mãe, mas também foi mãe de outras crianças brancas.
não foi só minha mãe, mas também foi mãe de outras crianças brancas.
Diretos
Derivada de uma sociedade escravagista, o Brasil depois de 125 de abolição da escravidão, tem uma lei voltada para classe dos trabalhadores domésticos. Considerado como um avanço histórico, a emenda equipara os direitos trabalhistas dos empregados domésticos aos dos trabalhadores formais. Com a mudança os trabalhadores domésticos passam a ter garantidos direitos como salário-mínimo, férias proporcionais, horas extras, adicional noturno e o FGTS, que antes era facultado ao empregador. Essa mão de obra barata que abastece o país por tantos anos, somente agora tem seus direitos garantidos por lei. Em um sistema opressor de oligarquias com origem na divisão racial e a falta de consciência de classes que ainda perdura até os dias atuais.
Com uma das maiores contribuições para a construção do país, as mulheres negras ainda ocupam cargos de menor hierarquia social e desigualdade racial. Seus salários são os menores do mercado e ainda é lhe cobrado o embranquecimento para merecer a vaga de trabalho. Com uma divisão de segregação os bairros nobres de São Paulo somente recebem essas mulheres para trabalhos domésticos. Na sua maioria residem na periferia, onde a força policial não está ali para proteger, mais sim para coagir e as colocarem em seus devidos lugares. Levando seus filhos na calada da noite com abordagens desumanas com total brutalidade policial. Administradores da casa grande e da senzala mantendo a moral e os bens da boa “família rica brasileira” a policia militar contribui diretamente para o genocídio da população negra. Fazendo a manutenção do sistema de opressão para manter a ordem e o progresso de seu país. Reaja ou será morto.
Com as revindicações dos movimentos sociais a mulher negra vem buscando seu espaço e lutando contra as desigualdades. Busca oportunidades iguais e começa a superar o esteriótipo da "negra brasileira". Lutando todos os dias contra a sua invisibilidade social e adquirindo a cada dia mais consciência politica e graduações.
Mesmo com todos os dados e relatos de opressão que essas mulheres sofrem, o brasileiro ainda tem muita dificuldade de aceitar as politicas públicas, como cotas para afro-descendentes por exemplo. Mas o que esse brasileiro não vê ou finge total demência. Que como uma geração de mulheres de minha família tem um auto grau de alfabetismo e seus trabalhos sempre foram como empregadas domesticas? Será que nunca ninguém me perguntou o por que? Por que você e a primeira mulher da sua família a entrar para uma universidade? A frase que mais explica essa pergunta é do antropólogo Kabengele Munanga: "Quem vai limpar a casa grande se agora os negros frequentam a universidade?".
Referencias
http://historiascruzadas.com.br
http://www.geledes.org.br/longa-transicao-de-escrava-empregada-domestica/#axzz3CYvgrOBV
http://portal.mte.gov.br/imprensa/pec-das-domesticas-e-aprovada.htm
http://www.viomundo.com.br/politica/kabengele-munanga-a-educacao-colabora-para-a-perpetuacao-do-racismo.html
http://www.viomundo.com.br/politica/kabengele-munanga-a-educacao-colabora-para-a-perpetuacao-do-racismo.html
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