Precisamos falar sobre o racismo dos taxistas brasileiros.




Quem mora em São Paulo (e que fique escuro!) e é preto, sabe da dificuldade de se pegar um táxi de boa e sem grandes consequências psicológicas. Parece irreal em uma cidade como São Paulo, onde as frotas de táxis transportam cerca de 2.000.000 de pessoas por mês, seja tao estressante pegar um táxi assim.
Além de meus relatos, que ficaria o dia inteiro escrevendo, escrevendo e escrevendo sobre a péssima experiência de apontar meu dedinho preto ou semi-preto ou “pardo”, para pegar um táxi, somente tenho más recordações.

Precisamos falar sobre o racismo dos taxistas brasileiros.
O pior, que nunca sabemos quando o maldito do racismo nos abordará em um dia ensolarado de um céu azulzinho que até o mais pessimista duvidaria das cores do céu.
Nós negros temos que viver em constante alerta e preparados para o contra ataque “eu vejo o racismo em você”, pois somos constantemente agredidos no nosso dia-a-dia, “Quem é preto como eu já tá ligado qual é...”.
 


“Escuta aqui...”
Lembro como se fosse ontem, meu pai doente e meu marido indo com ele ao hospital... E assim começa sua longa jornada para pegar um táxi na esquina de casa. E olha que não foi por falta de veiculo, pois neste dia contamos quantos passaram e não pararam para dois “pretos suspeitos” e um senhor debilitado, foi somente quando nossa vizinha (branca) dona do bar da esquina deu sinal que na hora as portas do paraíso se abriram e imediatamente uma boa alma parou para ela. Sim, para ela! pois ele não sabia que levaria o meu marido negro, mas quando viu o "negrão", deu a volta e não parou... Nesse dia meu pai não voltou para casa. Ficou internado. E a gente tendo que engolir o maldito do racismo amargurando nossa dor e preocupação com um ente querido.
Em outro episodio que jamais esquecerei nessa encarnação, minha amiga-irmã Klaujah, com complicações no pós-parto vivia indo e vindo do pronto socorro, eu e Marcelle (outra amiga-irmã), resolvemos leva-la ao hospital, na volta muito tarde da madrugada, fui incumbida de buscar o táxi, depois de muito andar em ruas desertas e escuras, com muito medo por ser mulher, uma bondosa alma parou para minha alegria, alegria essa que não duraria nem 2 segundos. O taxista olhou para minha cara e disse que não nos levaria, pois não queria levar (fiquei pensando, por que ele parou somente para dizer aquilo) nunca chorei tanto vivendo mais uma situação de racismo. Fiquei chorando uns 15 minutos sem conseguir me controlar.


Todas as vezes que saia para pegar um táxi, tinha a certeza da humilhação física e psicológica que eu sofreria. Até que; Apresentaram-me o “bendito” aplicativo de carro particular. Oh! Meu Deus, minha vida seria para sempre perfeita ao sair de casa.
Nos primeiros dias te oferecem água, balas e você pode até escutar aquela radio cafona e fora de moda que você tanto ama. Estava no paraíso dos aplicativos nunca mais seria humilhada e minha sanidade mental seria restabelecida.  #Sóquenão. Nós negros pensamos que quando surgiu o tal do aplicativo no Brasil “Poxa, nos livramos dos taxistas racistas” mas ai que mora o perigo, não somente os taxistas são racistas mas a sociedade brasileira está contaminada pelo racismo em todas as suas esferas. Esquecemos que são motoristas comuns fazendo um extra para ajudar nas despesas de casa. Mas, detalhe, ele já vem com o preconceito de berço, enraizado em sua pele branca, quase branca, quase “parda” quase preto, pois como diria Gilberto Gil "E todos sabem como se tratam os pretos"
 Já li relatos de amigos negros que foram recusados por motoristas de aplicativos, eu já sofri o racismo dentro de um carro particular, parafraseando o mestre Carlos Moore, eu sabia reconhecer muito bem aquela arrogância racista, mal escondida sob o tom condescendente na cara lambida do motorista. Seu nojinho de minha cor, de meu corpo e de meus belos cabelos crespos era evidente. Só os cegos abolicionistas da turma “racismo não existe, é para sua segurança!” desacreditam do racismo cotidiano que sofremos. O racismo nos aborda toda hora e não faz distinção de sexo ou idade e classe social (a não ser se você for uma personalidade muito famosa, mais muiiiito, muito mesmo). As vezes ele é sutil, as vezes escancarado, mas uma coisa eu tenho certeza, os números não mentem jamais. As porcentagens estão ai e o povo preto ainda é segregado, morto  e marginalizado como no pós-abolição.


 “Quem é preto como eu já tá ligado qual é”.
Abolicionistas lutam pela liberdade dos negros que são chicoteados em praça publica, mas até a pagina 2. Somos direcionados por eles para; Não falar de cotas, não falar do extermino da população preta, não falar da falta de homens e mulheres negras na politica, não falar sobre a falta de representatividade nas mídias e jamais, jamais exija salários iguais aos deles. E ponto final. Daqui você não passa meu bem. Nossos direitos são iguais dirão os (abolicionistas no calor das emoções). Novamente #Sóquenão.




“...o primo do cunhado do meu genro e mestiço, racismo não existe e comigo não tem disso!”. 
Mas para não falar que não falei das flores e não jogar por completo na lama o nome dos taxistas e dos motoristas que atendem por aplicativos, que fique claro (agora e claro mesmo), já peguei alguns motoristas bem legais (alguns). Na semana passada chamei um carro (aplicativo) para me buscar no posto de saúde com meu pai, ele muito atencioso saiu do carro para ajuda-lo a entrar. Ficamos trocando altas ideias, eu gosto de conversar durante o trajeto, os motoristas, principalmente os de táxis tem histórias incríveis para contar! Em primeiro lugar achei engraçado quando vi seu nome, Fabio Jr, notei que ele tinha um livro muito grosso e perguntei se era estudante e ficamos trocando experiências sobre o mundo acadêmico e ele me falou que começou a se interessar por História, mesmo fazendo Direito e que tinha interesse em uma pós-graduação em Historia na área do Direito. Na entrada do prédio, novamente ele desceu do carro para ajudar a levar meu pai de 89 anos ir até a porta.
Lembro também de um motorista  de táxi negro, policial aposentado que em seu carro tocava um jazz suave baixinho, ficamos um bom tempo do trajeto falando de musica negra era um papo tão agradável que jamais esqueci daquele gentil taxista.
Obrigada Srs. Motoristas! Vocês foram a exceção de uma quase regra, num país quase racista, numa sociedade que quase admite isso e numa mídia que quase divulga todo esse quase.
Racismo é crime denuncie dique 100.






Comentários

  1. Ótimo texto Paula, perfeita reflexão e colocação... Parabéns pelo trabalho! Sucesso Mana!😘

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  2. Que lindo paula, texto perfeito para uma reflexão dos quase racistas e que sempre tem uma amigo negro...fui longe Paula, e a minha lembrança doeu de pensar nesse país quase racista!!!??Não esqueço aquela nossa conversa.Muito feliz por você e por nós.Que temos você,bj

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